Vanessa Horacio Lira
(Universidade Federal da Paraíba)
Criadas junto aos primórdios da Organização das Nações Unidas, as operações de peacekeeping são autorizadas pelo Conselho de Segurança, conduzidas pelo Secretário- Geral e contam com o planejamento, administração e apoio do Departament of Peacekeeping Operations (DPKO) e do Departament of Field Support (DFS) (UNDPKO, 2008). Em vídeo intitulado “UN Peacekeeping animation – Security and rule of law in the field”, disponibilizado pela própria organização procura-se descrever as etapas em que atua o DPKO nas operações. Assim, no primeiro momento, os agentes devem criar as condições para que os peacekeepers possam atuar, limpando remanescentes do conflito, como a desativação de bombas. Em seguida, deve-se desarmar, desmobilizar e reintegrar os ex-combatentes; ajudar a desenvolver uma força policial que irá trabalhar junto às autoridades locais na construção de instituições nacionais, criando relação de confiança com a sociedade civil. O vídeo parte de um cenário padrão no qual, após um conflito, existem grupos opostos e a administração civil encontra-se destruída. Contudo, como previsto pela própria Doutrina Capstone (2008), estas operações variam de acordo com as situações. Alguns elementos não são mostrados no vídeo, o que implicaria na exposição de um cenário muito mais complexo de instabilidade e insegurança na atuação desse tipo de operação. Por exemplo, as operações normalmente envolvem também: proteção e promoção dos direitos humanos, assistência eleitoral, apoio a restauração e extensão da autoridade do Estado. Em circunstâncias excepcionais, as operações de peacekeeping já chegaram, inclusive, a assumir as funções legislativa e administrativa do Estado.
Prevendo-se essa complexidade, repórteres do The Bureau for International Reporting (BIR) deslocam-se até a República Democrática do Congo (RDC), território que vive um conflito sangrento e longevo, na tentativa de investigar a capacidade das operações de peacekeeping quanto à manutenção da paz. O resultado da reportagem foi um documentário intitulado “Can the UN Keep the Peace?”, disponibilizado pelo BIR, no qual identifica-se a falta de infraestrutura e o estado de pobreza em que o país se encontra. Grande parte do problema das operações de peacekeeping na RDC concentra-se no número de soldados disponíveis para abarcar a totalidade do território, controlando o avanço dos combatentes rebeldes e protegendo a população. Quando em torno de cinquenta soldados encontram-se em determinada redondeza (temporary operating bases), a população se sente segura, contudo, quando os mesmos se deslocam para outra região, os indivíduos voltam a ficar vulneráveis às ações de violência dos grupos rebeldes.
Essas dificuldades podem ser traduzidas no desafio que envolve a missão. Esta tem como mais alta prioridade a proteção dos indivíduos. Contudo, prevê em seu mandato o uso da força para fornecer essa proteção. Essa ambiguidade na missão não consegue impedir que grupos armados continuem cometendo massacres e avançando no domínio de territórios. A pesquisadora Annika Van Den Berg identifica os três problemas principais que contribuem para a ineficácia das operações, nas presentes condições, de assegurar a paz no conflito: a insuficiência de veículos armados, de inteligência e de tradutores.
Tais fatores nos levam a resumir o problema dessas operações em um só: recursos, como colocado pelo representante de todas as operações de peacekeeping das Nações Unidas, Alan Lavoie. Por recursos, deve-se entender, na visão de Van Den Berg, a ausência de exército próprio e da dependência do envio voluntário de equipamentos e soldados pelos países, em sua maioria países em desenvolvimento, como a Índia. Dependência ainda mais agravada pelas restrições impostas por esses países quanto a atuação de suas tropas. Onde se encontram então as principais potências? No plano político, em grande medida. Os Estados Unidos, de acordo com a embaixadora Susan Rice, contribuiria com dinheiro. Outro problema apontado durante o vídeo é a burocracia nas Nações Unidas, que acabam limitando as atividades no campo de ação das operações, uma vez que são incompatíveis com a realidade.
A partir do documentário, observa-se a clara ampliação do papel das operações de peacekeeping diante de um novo cenário internacional, onde os conflitos tiveram sua natureza modificada: ocorrem dentro dos Estados, estes normalmente pobres e com pouca capacidade de manutenção da ordem. As operações possuem agora uma multidimensionalidade que envolve um leque mais amplo de tarefas, para além do cessar fogo. Passa-se a incluir a missão de fortalecer as habilidades do Estado, a promoção do diálogo e reconciliação entre as partes e assegurar que os atores dentro ou fora do sistema ONU atuem por meio de uma visão estratégica comum (UNDPKO, 2008).
Entretanto, o que podemos extrair dos vídeos é que nos parece que as operações de peacekeeping encontram-se em estágio inicial e possuem capacidade limitada. Partindo do caso das operações na RDC, podemos observar que estas não conseguem, muitas vezes, desmobilizar grande parte dos grupos armados, ou promover reforma no setor de segurança ou apoiar processos de reconstrução política. Apesar dessa missão consistir na talvez mais “ambiciosa” das Nações Unidas, como colocam os repórteres do BIR, o caso ilustra os desafios que o tipo de operação enfrenta, nos moldes em que está estabelecida. Dada a tamanha complexidade em um cenário pós-conflito, os mandatos emitidos pelo Conselho de Segurança não são suficientes para a manutenção ou estabelecimento de uma paz duradoura. Mais uma vez, o caso da RDC é exemplo. Ao longo do conflito que se estende desde meados da década de 1960, foi necessário a extensão do mandato. Além disso, quando se identifica poucos países contribuindo, a nível de tropas e equipamentos, para as operações, nota-se bem que o objetivo dessas operações de “provide a framework for ensuring that all United Nations and other international actors pursue their activities at the county-level in a coherent and coordinated manner” (UNDPKO, p. 23, 2008), não é facilmente atingido.Os curta-metragem e o documentário também pouco mencionam a questão da própria conduta dos agentes à frente das operações. Se por um lado, é fundamental fornecer as condições mínimas para a atuação desses indivíduos, como recursos e estrutura para manutenção da saúde e acompanhamento psicológico, por outro lado, estes devem ter suas condutas orientadas pelo respeito aos direitos humanos e ao direito humanitário internacional. Sendo assim, os agentes devem assegurar-se que não promoverão violações aos direitos humanos; devem deter a capacidade de reconhecer quando estas ocorrentes e devem estar aptos a responder, dentro de seus limites e competências (UNDPKO, 2008). Um dos desafios para as operações de manutenção de paz é a discussão sobre a soberania dos Estados e o papel da “comunidade internacional”. Do planejamento à execução dessas operações, entende-se quais são os modelos e as instituições adequadas a serem instaladas naquela sociedade, para que o Estado detenha de condições mínimas de ser Estado, nas concepções contratualistas da filosofia política. Contudo, estas ações podem incorrer em criação de realidades incompatíveis com as do povo em questão. Muitas vezes, se desconhece por completo as demandas, a história e a cultura daquele povo e busca-se erguer instituições de acordo com padrões predominantes na sociedade internacional, ou seja, o que alguns chamam de liberais-democráticos, pondo em risco a própria sustentabilidade da paz.
Partindo dessa crítica, o vídeo intitulado “Peacebuilding by the international community” de Roger MacGinty ilustra a visão muitas vezes estereotipada que os responsáveis pelas operações de paz, principalmente a nível político, detêm sobre os indivíduos de determinada comunidade pós-conflito e vice-versa. Consiste em uma animação, dotada de ironia e sarcasmo, na qual o representante das Nações Unidas tem como missão instalar o modo de vida liberal-ocidental, visto por ele como o mais óbvio e melhor modelo para reconstrução do Estado em que vive o cidadão local, o “homem das cavernas”. Em seu discurso ficam claros os elementos que norteiam a conduta e ação daqueles responsáveis por construir a paz, levando-nos a refletir juntamente com os vídeos anteriores o papel que de fato detêm as operações de paz no restabelecimento da ordem e da paz.
Referências bibliográficas
https://www.youtube.com/watch?v=zuy4dFSD0tY. Acessado em: 10/10/2016.
Sobre a autora: Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: vanessaliraa@gmail.com.