Brasil, 26 de outubro de 2018
A Constituição Cidadã de 1988 tem, entre seus objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais. Estes objetivos representaram conquistas importantes e hoje figuram no espaço público em clima de descrença e descrédito.
Em vista da atual situação política no Brasil e da polarização social e partidária que vivenciamos, gostaríamos de nos posicionar no sentido de defender princípios que consideramos centrais para a paz e a segurança humana – já expressos em nossa Constituição. Tais princípios transcendem qualquer filiação partidária e compreendem direitos humanos fundamentais, priorizando a liberdade e a dignidade de todo e qualquer indivíduo, independentemente de seu sexo, cor, credo, opção sexual ou política. Somos muitos, somos diversos e queremos caminhar nas ruas sem sofrer qualquer tipo de constrangimento ou violência.
Assim, defendemos:
* Que a democracia deve ser preservada e fortalecida no Brasil. Democracia não significa a ditadura da maioria, mas sim o respeito à diversidade, o fortalecimento da igualdade entre os cidadãos em seus direitos e oportunidades na forma de justiça social, o respeito à constituição, à separação de poderes – de forma a evitar sua centralização e o autoritarismo político – e, sobretudo, a clara subordinação das Forças Armadas às decisões dos governos eleitos nas urnas.
* A comunicação não-violenta, com base em um respeito mútuo, deve ser priorizada, principalmente em momentos de polarização como o que vivemos. A sociedade brasileira é plural e repleta de contrastes, alguns mais profundos que outros. Assim, inevitavelmente, vamos conviver com pessoas que anseiam ou possuem orientações ideológicas diferentes. A própria democracia é baseada na coexistência de diferentes formas de se compreender o mundo. Desmerecer quem pensa de forma diferente da nossa leva à desumanização e à justificativa de ações violentas, crescimento da intolerância, rancor e ódio. Não é esta a sociedade que queremos ou ansiamos construir para o futuro.
* Os direitos humanos, partindo da compreensão de que direitos humanos servem à defesa da dignidade humana, de forma a barrar práticas e discursos dos agentes que a ameaçam. Logo, defendemos os direitos humanos não só como retidão, mas como instrumento que intitula, habilita e legitima reivindicações e demandas dos mais diversos grupos. Reconhecer, salvaguardar e promover os direitos humanos é assumir os valores da inclusão, do respeito e da equidade. É engajar-se no caminho da convergência por enxergar que todos temos esses direitos pelo simples fato de sermos seres humanos.
* A liberdade: de imprensa, de pensamento (nas escolas, universidades e para a produção de conhecimento no geral) e de manifestação social. Não existe democracia sem liberdade de expressão. Não existe dignidade sem que possamos pensar de forma crítica e questionar a nossa realidade para em seguida propor melhorias. Ao mesmo tempo, a liberdade individual deve ser pautada pelo respeito ao próximo e ser compreendida como um elemento social e não apenas individual. Liberdade é direito de todos, não de alguns. E, certamente, os direitos assegurados também devem estar alicerçados pela consciência dos deveres que os cidadãos têm no convívio em sociedade. Cabem aos cidadãos brasileiros saber, respeitar e vigiar que tais deveres sejam cumpridos individual e coletivamente.
* A não flexibilização do acesso às armas, visto que a arma traz consigo – em sua materialidade – um forte componente de insegurança, desconfiança e instabilidade, fatores que podem incitar o conflito e a violência como solução de problemas por indivíduos e grupos que não buscam o diálogo. Nesse sentido, em escala extrema, querelas cotidianas podem ser gatilhos de verdadeiros espirais de violência, afastando-nos da construção cotidiana da paz. Sabemos que os problemas de segurança pública no Brasil são graves e carentes de eficazes políticas públicas que alcancem os profundos desafios de nossa sociedade. Todavia, acreditamos que flexibilizar o acesso às armas não trará imediatamente ou em longo prazo a segurança almejada pelos cidadãos desse país.
* O combate à corrupção, compreendendo-a como um problema endêmico e idiossincrático, com raízes profundas no Brasil, que perpassa diversas esferas sociais e espectros políticos. Não acreditamos, no entanto, que medidas pautadas na centralização do poder e aumento indiscriminado de ações coercitivas sejam instrumentos adequados para tanto. Tão pouco acreditamos que a corrupção, denunciada pela mídia (e outros órgãos competentes) e investigada pelo Judiciário, tenha sido causada por um único partido. Os fatos comprovam isso. A corrupção está presente nos níveis mais profundos da nossa sociedade e deve ser combatida por meio da mudança de mentalidade social, fortalecimento das instituições democráticas e dos mecanismos de prestação de contas e fiscalização.
* A promoção e valorização da História como fonte de aprendizado e o olhar para o passado de forma crítica. Muitos massacres foram cometidos no mundo em nome de ideologias que se mostravam palatáveis e acessíveis aos olhos de muitos. Olhar para o passado também pode contemplar a humilde postura de reconhecer os erros de determinadas decisões políticas, evitando que os mesmos sejam novamente cometidos.
Entendemos que a paz é fruto de uma situação de estabilidade política e justiça social, que privilegia valores e direitos fundamentais do ser humano. Isto implica pensarmos além de nosso centro individual ou de nosso referencial de classe, gênero ou qualquer outro rótulo com os quais nos identificamos. Almejar a paz significa compreender que somos parte de um todo e que nosso bem-estar está intimamente conectado com o bem-estar do próximo por meio do respeito e cumprimento de deveres e direitos.
Assim sendo, repudiamos palavras e ideias que fomentam o preconceito, o ódio e a divisão social, o que nos afasta cada vez mais de um estado de paz. Repudiamos também as ações violentas e desonestas que esmorecem e corroem ainda mais o tecido social de nosso país.
Assinado,
Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos de Segurança.